O desenvolvimento das crianças e adolescentes é um tema de grande interesse para psicólogos, educadores e pais, sendo amplamente debatido nas esferas acadêmica e popular. Um dos aspectos centrais dessa discussão é a influência do ambiente no qual as crianças são criadas. Então, exploraremos a complexa relação entre os ambientes compartilhados e não compartilhados e como esses fatores influenciam o desenvolvimento das crianças. Analisaremos como o ambiente não compartilhado pode ser mais determinante para os resultados sociais das crianças. Além disso, discutiremos a relevância dos pares e da educação dos pais na trajetória de vida das crianças, destacando como a seleção de parceiros (acasalamento seletivo) pode explicar muitos dos efeitos tradicionalmente atribuídos ao ambiente compartilhado.
Então, o que é o ambiente não compartilhado? Refere-se aos fatores ambientais únicos para cada indivíduo, como a vizinhança em que a criança vive, que não são compartilhados com os outros membros da família. Já o ambiente compartilhado inclui fatores que são comuns a todos os membros da família, como a estrutura familiar (por exemplo, pais casados ou monoparentais).
O tipo de parentalidade (se os pais são presentes, dedicados, amorosos, ausentes, criminosos, neuróticos, divorciados, pais solteiros ou de uma família intacta) não tem efeito nos resultados dos filhos, ou seja, em como eles se desenvolverão no futuro. Os pais sabem que algumas características de seus filhos são inatas, presentes desde o nascimento. No entanto, bons pais dedicam anos tentando moldar e influenciar o desenvolvimento de seus filhos, mesmo reconhecendo essas características inatas.1 A qualidade de vida das crianças, porém, é impactada pela maneira como são criadas. É melhor não ser abusivo, volátil, imprevisível e disfuncional, pois esses comportamentos não são bons para as crianças e reduzem a qualidade de vida delas (no presente). O que realmente prevê os resultados dos filhos é a carga probabilística que eles herdam de seus pais disfuncionais ou caóticos. Em outras palavras, as características problemáticas dos pais influenciam a probabilidade de certos resultados nos filhos, mas não é a qualidade da parentalidade em si que determina diretamente esses resultados.
Os efeitos da parentalidade podem ser explicados pela segunda lei da genética comportamental, já que ela aborda o ambiente compartilhado (pais, colegas, escolas, bairros). O que torna a segunda lei da genética comportamental a mais negada de todas, é o fato de que, nenhuma escola cara, casa confortável, disciplina rigorosa ou doutrina religiosa importa para os resultados da vida adulta, isso é, QI, traços de personalidade, nível de extroversão ou habilidades de comunicação, probabilidade de se divorciar, concluir os estudos (e o nível de educação alcançado), ter problemas com a lei,23 renda na vida adulta456 ou índice de massa corporal (IMC).789 A variação nos traços comportamentais e nos resultados de vida é influenciada em 75% pela hereditariedade, em 0% pelo ambiente compartilhado e em 25% pelo ambiente não compartilhado ou único.10 Algumas pessoas acreditam que o ambiente compartilhado contribua com uma pequena porcentagem na variância dos traços, no entanto, essa influência diminui a zero na idade adulta (qualquer que seja o impacto da criação parental, a longo prazo é zero), incluindo traços de personalidade.11
Da mesma forma, o divórcio não prejudica as notas ou o comportamento das crianças. Em vez disso, sugere que a correlação observada entre lares desfeitos (ou seja, famílias onde houve divórcio) e resultados negativos (como desempenho escolar ruim e problemas de comportamento) é principalmente devida a fatores genéticos, e não ao impacto do divórcio em si.12
Impacto da transferência cultural vertical
A transferência cultural vertical é proposta por cientistas sociais para explicar a semelhança entre pais e filhos, diferenciando-se do conceito de ambiente compartilhado, que abrange vários efeitos ambientais que afetam crianças na mesma família. Este ambiente compartilhado pode ser vertical (pais para filhos ou filhos para pais) ou horizontal (entre irmãos). Estudos clássicos de gêmeos não podem estudar efeitos de transferência vertical, mas desenhos de famílias estendidas, como o design de filhos de gêmeos, podem. Kirkegaard fez uma análise de 14 estudos, realizados ao longo de 33 anos, eles indicaram que a semelhança entre pais e filhos é predominantemente genética, com a transmissão cultural tendo um impacto mínimo.13
Martin et al 1986 | Dados na Austrália e Inglaterra mostraram pouca evidência de herança cultural vertical em atitudes sociais. |
Eaves et al 1999 | Poucos efeitos parentais notáveis, exceto em comportamento de voto. |
Wadsworth et al 2002 | Influência ambiental dos pais sobre o desempenho em leitura dos filhos foi insignificante. |
Leeuwen et al 2008 | Variância de QI foi majoritariamente genética, sem transmissão cultural entre gerações. |
Hatemi et al 2010 | Influências genéticas foram maiores do que as estimativas anteriores, com pouca transferência vertical. |
Vinkhuyzen et al 2012 | Transferência vertical foi modelada como zero ou negativa. |
Kandler et al 2012 | Atitudes políticas foram geneticamente transmitidas, não ambientalmente. |
Lyngstad et al 2017 | Fatores hereditários foram importantes na transmissão, com efeitos diretos dos pais sendo insignificantes. |
Swagerman et al 2017 | Semelhança entre pais e filhos foi atribuída a razões genéticas, não à transmissão cultural. |
Essa tabela resume pelo menos nove estudos de um total de quatorze análises, que investigaram a influência genética e ambiental na transmissão de atitudes sociais, comportamentos e habilidades. Esses estudos, conduzidos em diferentes contextos e com diversas metodologias, oferecem uma visão abrangente sobre o papel da herança cultural vertical em contraste com a herança genética.
Filhos moldam a parentalidade
Em geral, o comportamento dos filhos exerce uma influência mais forte sobre o futuro comportamento dos pais do que o comportamento dos pais sobre o futuro comportamento dos filhos.14 Ou seja, as dificuldades comportamentais das crianças são a causa, e não a consequência, da adoção de um estilo de parentalidade mais rigoroso.15 Além disso, as características genéticas das crianças desempenham um papel maior na forma como são criadas.16
Como vimos anteriormente, muitos fatores (estabilidade matrimonial, renda, felicidade adulta, saúde mental ou abuso de substâncias) comumente considerados importantes não têm o impacto esperado. O nível de escolaridade inicialmente, parece mostrar um efeito do ambiente compartilhado. No entanto, a maior parte desse efeito se deve ao acasalamento seletivo (a tendência de pessoas com níveis de educação similares se casarem).17 O restante do efeito pode ser atribuído à influência dos pares (amigos e colegas). Quando se leva em conta o acasalamento seletivo, quase todo o impacto do ambiente compartilhado na educação desaparece. O que sobra é um efeito específico de gêmeos, que geralmente se refere à influência dos pares. A criminalidade às vezes mostra um efeito do ambiente compartilhado em estudos de adoção, que também pode ser explicado pela influência dos pares. Outros estudos descobriram que após controlar a confusão genética, não houve evidências de que a socialização parental tivesse efeitos sobre o envolvimento criminal.18
Influências de pares (amigos, colegas e círculo social)
Os “efeitos de pares” são frequentemente discutidos no discurso sobre comportamento e desenvolvimento humano. Embora essa ideia tenha sido popularizada por Judith Harris, as evidências que apoiam os efeitos de pares são escassas ou fracas. Em estudos de genética comportamental, a maior parte do componente denominado “ambiente único” é, na verdade, erro de medição. Se os colegas tivessem um grande efeito, isso se refletiria em uma grande influência do ambiente familiar compartilhado, porque amigos e colegas são, em grande parte, selecionados com base em características familiares e ambientais. Contudo, como as estimativas do efeito do ambiente familiar compartilhado são baixas, isso implica que os colegas também não têm um grande efeito. O ambiente familiar tem um impacto significativo nos efeitos dos colegas, uma vez que a formação de amizades é influenciada pelas características familiares e genéticas. Portanto, mesmo que a teórica Harris tenha tentado mostrar que a influência dos colegas é crucial, as evidências que ela usou na verdade indicam que a influência do ambiente familiar e dos genes é mais significativa e que os efeitos dos colegas são ainda menores do que os efeitos do ambiente familiar.19 Utilizemos por exemplo, a inteligência, que é extremamente estável desde a adolescência até a velhice. Então, há pouco espaço para que os pares possam ter grandes efeitos sobre ela. Ao controlar o QI anterior de uma pessoa (ao levar em consideração o QI que a pessoa tinha antes de qualquer possível influência dos pares), a relação entre o QI de uma pessoa e o QI do seu melhor amigo desaparece.20 A relação é semelhante quando se considera a criminalidade, exceto no caso do uso abusivo de drogas não crônicas. Esse tipo específico de comportamento é afetado pelos pares. Enquanto muitos comportamentos não são significativamente influenciados por colegas, o uso de drogas não crônicas é uma exceção. E quais são os efeitos dos colegas no desempenho acadêmico dos estudantes? Um estudo utilizou um método de design experimental, aproveitando a atribuição aleatória de colegas de quarto na academia militar de West Point. Esse tipo de aleatoriedade ajuda a eliminar vieses que poderiam surgir se os estudantes escolhessem seus próprios colegas de quarto. O estudo encontrou que a habilidade dos colegas de quarto não teve impacto significativo nas notas dos estudantes em cursos fundamentais.21
Conclusões
O ambiente compartilhado tem um impacto muito pequeno nas características dos indivíduos na vida adulta, ou seja, qualquer que seja o impacto da criação parental a longo prazo, ele não é grande e pode ser nulo. Cada ato de criação é como girar uma roleta. Grande parte do que você pode fazer já foi decidido no momento da fertilização. Aqui, mostramos que o ambiente não compartilhado exerce uma influência mais significativa nos resultados sociais das crianças do que o ambiente compartilhado. Este achado desafia a percepção comum de que a estrutura familiar é o fator predominante no desenvolvimento infantil. E também a percepção de que a influência dos pares nos indivíduos é significativa.
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